(Amy Yoes, Cursiva, 1998, Parque das Nações)
Pelo que li e ouvi, o caso de Torres Novas, da menina - Esmeralda - doada pela mãe para adopção e reclamada pelo pai biológico transformou-se num sinuoso e escorregadio imbróglio que não tem uma solução boa e óbvia. Por culpa de muita gente.
Para começar, o advogado que, por incompetência ou má-fé, induziu em erro o casal adoptante e o levou a acreditar que era possível uma adopção por documento notarial. Não se entende tal erro num profissional. A não ser que esteja habituado a usar «métodos expeditos» para contornar a lei.
A mãe biológica, por ingenuidade, declarou quem era o pai. Se tivesse declarado que não sabia, estava o caso arrumado. Mas fez bem. A verdade acima de tudo.
Os pais adoptantes não permitiram a mínima aproximação do pai biológico. Quiseram, talvez, a «solução» do facto consumado. Mal. Agora caiu-lhes o problema todo em cima.
O pai biológico, o seu representante e o tribunal manifestam uma intolerância de exclusão dos pais adoptantes. Mal.
O tudo ou nada pode vir a revelar-se nem tudo nem nada. Todos querem um «exclusivo» e nenhum o deve ter. Não se pode excluir o pai biológico, porque existe, porque quer aproximar-se. Não se podem excluir os pais adoptantes. Ganharam direitos morais pela «paternidade» que exerceram.
E, acima de tudo, está o «bem-estar» da criança. Este é o argumento mais agitado: não se pode tirar a criança dos pais (sob o ponto de vista afectivo da criança) e entregá-la a um estranho (sob o ponto de vista da criança). Este até é um caso fácil, deste ponto de vista.
Lembram-se dum caso em que uma mulher de Odivelas roubou uma recém-nascida e só se descobriu anos depois? Era um caso bem mais complicado. Gostava de saber que desenvolvimento teve. Em termos de ponto de vista afectivo da criança, a situação era a mesma. Mas, dessa vez, a «adoptante» tinha feito um rapto autêntico e não o pseudo-sequestro de Torres Novas. Ainda assim, naquele antigo caso, havia que tentar a proximidade efectiva e regular dos pais biológicos e da mãe raptora, a bem da criança. Mesmo que fosse pungente para todos os adultos. Para a criança, a mãe não era uma raptora, era a sua mãe. Para a criança, aquele casal que então aparecia era um casal estranho. A transição teria que ser feita com toda a delicadeza, a bem da criança. O que também implicava, da parte dos pais biológicos, «perdoar» à raptora.
É muito complicado e só o bom senso e uma verdadeira vontade altruísta de fazer bem à criança pode produzir resultados positivos e não a vontade egoísta de «possuir» uma criança ou ganhar um caso.
É odiosa a posição legalista mas arrogante e desumana do advogado do pai biológico e do tribunal. Querem «ganhar» um caso mesmo que iniciem uma tremenda atrocidade.
O pai biológico devia aceitar que o percurso que fez o levou a perder parte do direito moral a ter consigo uma filha que perdeu lá para trás. E ficar muito agradecido aos «pais adoptantes». Devia procurar a aproximação mas não exigir a «devolução».
Os «pais adoptantes» deviam aceitar um relacionamento amigável e frequente com o pai biológico e permitir-lhe contactos com a criança. Deviam aceitar que, a bem da criança, estão «condenados» a dar-se bem com o seu pai biológico.
Dá que pensar o momento em que os pais do pai biológico recebem mal a mãe biológica e a afastam. Não os ataco. Só penso que daria um excelente momento dramático em qualquer filme – os avós a mandar embora uma verdadeira neta, pensando que se trata duma impostora. Irónico e trágico, não é?
Dá que pensar a revelação da mãe biológica de que teve alta da maternidade de Coimbra no dia seguinte ao parto e que, sem dinheiro, com a recém-nascida ao colo, foi a pé para a estação de camionagem onde andou 3 horas a pedir moedas para arranjar dinheiro para o bilhete da camioneta.
Esta sociedade está feita num belo, sinuoso e escorregadio imbróglio! Dá que pensar!