Parece que foram atribuídos, aos fiscais da Emel, poderes para multar carros estacionados em segunda fila e em cima do passeio. Já não era sem tempo. E acho piada à Polícia Municipal que vem reclamar pela intrusão nas suas competências. O que vimos é que essas competências não eram exercidas.
Há 3 anos escrevi, ao longo de 15 posts, mais ou menos isto neste blog:
A explosão demográfica e a concentração em espaços urbanos são factos estruturantes. Um dos aspectos que eles acarretam, é a falta de lugares de estacionamento. Isto tem determinado situações curiosas e comportamentos-tipo. O automobilista sente que está a ser suficientemente cívico, se deixar de passagem, um intervalo de um carro. Mas é ele que avalia a largura que um carro tem. Frequentemente avalia por baixo. E esquece-se que há veículos mais largos que o carro-tipo dele. Quando um desses «impossíveis» veículos tenta passar, fica entalado, até que o buzinão seja maior que o quarteirão.
Os automobilistas não resistem, por exemplo, a estacionar em ambos os lados duma rua estreita, obrigando os veículos que circulam nos 2 sentidos a fazer grandes e cautelosas gincanas. Se o poder autárquico alarga uma via, criando um separador central e 2 faixas para cada lado, aí temos uma das faixas de rodagem de cada lado invadida por carros, quando não o próprio separador central, apesar das confusões de trânsito que causa. Os técnicos não percebem como é que, numa artéria tão larga, magnífica no mapa, o trânsito afunila tão ridiculamente lento.
O poder autárquico, contemporizador, pensando resolver a situação, mantém as duas faixas de rodagem para cada lado e cria uma ala de estacionamento de cada lado, à custa do sacrifício de parte do passeio dos peões. Situação resolvida? Não. Os automobilistas, incívicos e pressionados pela falta de estacionamento, ocupam primeiro as alas de estacionamento e depois estacionam em segunda fila, deixando a eterna faixa única para o lento trânsito afunilado.
Estacionar é uma aventura. É frequente um qualquer automobilista rejubilar quando, depois de dar voltas ao quarteirão, encontra um lugar de estacionamento vago. Estaciona, compra o bilhetinho no parquímetro e vai satisfeito à sua vida. Quando volta é que a boa sorte cobra o seu tributo: é frequente ter outro carro estacionado em segunda fila, a barrar-lhe a saída. E bem pode esperar ou buzinar. Quando o silvestre volta, ainda pode responder que «estava ali no café!», como quem diz «porque é que não me foi chamar?» Ou que «com 2 ou 3 manobras, saía bem».
O cafre conhece bem os meandros do estacionamento. Estaciona sempre em segunda fila, para poder sair sem problemas. Nunca estaciona em espinha, mesmo que tenha lugar. Teme que o tranquem. Prefere estacionar longitudinalmente em frente do lugar vago, não deixando contudo, de invadir parte do espaço de retirada do carro da frente e do detrás. - Eles se quiserem, que façam umas manobras, subindo o passeio e tentando sair pelo «buraco da agulha».
O «esperto» não perde tempo à procura de lugar de estacionamento. Pára em qualquer sítio, liga os 4 piscas e vai tratar do que tem a tratar. Geralmente basta-lhe estar atento a um aumento de buzinadelas. Se vai para um sítio em que pode não ouvir as buzinadelas, põe um bilhete no tablier: «estou no 5º Esquerdo». Por exemplo. Se precisa de se demorar e tem rodado para subir passeios, é mesmo no passeio o lugar ideal de estacionamento. No lugar pago, teria que pagar e sujeitar-se a multa, se se atrasasse. No passeio, além de não pagar estacionamento, pode estar o tempo que quiser que não tem de pagar nenhuma multa.
O incívico, num estacionamento de tipo superfície comercial, nunca utiliza apenas um lugar, mas pelo menos 2. Por um lado é muito mais cómodo poder abrir as portas à vontade. Por outro, se as portas dos outros não chegarem ao seu carro, é uma garantia que não ficará com o carro marcado ou riscado. Por fim e não menos importante, é que aceitar estacionar num lugar marcado, com espaço limitado, é a aceitação da vida colectiva, é aceitar fazer parte da «gentinha». Ocupar 2 ou 3 lugares é uma afirmação de distinção. À falta de motivos reais, digo eu. Estarei a ser parcial quando a minha estatística empírica me diz que estes «distintos» se recrutam preferencialmente entre os utilizadores de Jipes, BMW e outros de gama alta?
Outra afirmação de «distinção» é não fazer piscas. Fazer piscas é reconhecer o outro, é reconhecer-lhe direitos, tê-lo em atenção. É «servir» o outro. Repare-se quem, «estatisticamente», não faz piscas. No meu entender, são de dois tipos: ou fazem parte de minorias, fartas de «dobrar a espinha», ou fazem parte duma faixa com dinheiro mas com pouca formação cívica – patos-bravos e executivos deslumbrados e com desejos de afirmação.
Estou convencido que muitas vezes o «distinto» não se apercebe que há mais envolvidos na sua mudança de direcção do que só o carro de trás, que às vezes não vem lá – peões à espera de atravessar, carros à espera que ele continue em frente, em vez de mudar de direcção. Às vezes, concedamos, serão as pressões da vida que impedem que ele se aperceba que é preciso fazer piscas senão prejudica outros, ou que se aperceba que há outras vias além da que ele segue, que para ele é a única óbvia.
Ainda não se inventou um automatismo, que permitisse que o automobilista fizesse piscas automaticamente, assim como acende os «stops» automaticamente quando trava. Um sistema como o que gira os faróis para o lado que se vira, não seria aqui eficaz, antes pelo contrário. Só piscaria quando o carro já estivesse a curvar. E se fosse sensível, estaria a fazer piscas «por tudo e por nada». Não resulta. Só podemos esperar que os condutores sejam cívicos.
Há sistemas que induzem as pessoas a realizar determinada acção, considerada necessária, mas que as pessoas não realizariam se não existisse uma estratégia para as «obrigar» a isso. É o caso dos carrinhos de supermercado, que «obriga» o cliente a arrumá-los, se quiser recuperar a moedinha. Um achado. Infelizmente, a «moedinha» que pode levar o condutor a fazer piscas, pode ser apenas a chatice de levar uma buzinadela doutro condutor, ou um menu de dedo e palavrão, dum peão.
A importância da instrução excede em muito o restrito campo de aplicação que habitualmente se lhe vislumbra. A competência que se ganha numa matéria é por vezes muito útil noutra completamente insuspeita. Geometria Descritiva devia ser uma disciplina obrigatória no curso das escolas de condução. Pelo menos, os seus rudimentos. O conhecimento da lógica dum rebatimento, parece-me fundamental para os condutores terem uma noção clara de que as faixas de rodagem seguem uma lógica de movimento de compasso, nas rotundas e nas mudanças de direcção nos cruzamentos.
As autarquias tentam minimizar essa ignorância desenhando no chão as linhas de separação entre faixas. Isso ajuda muito, e estou certo que já evitou muitos toques. Mas os adeptos da «distância mais curta entre 2 pontos» frequentemente não ligam e invadem a faixa alheia com o maior dos desplantes. Em vias com mais de uma faixa de rodagem também se mostram muito úteis as linhas de separação de faixas, pintadas no chão, porque os «fracos de avaliação de distâncias» só percebem que cabem 2 carros à vontade na via, se a respectiva separação lá estiver desenhada. Na via e nos parques de estacionamento.
Concedamos que seja carência de capacidade de avaliação quando um «gordo» instala o seu carro num espaço que dá para 2. (Voltámos à vaca fria…). Mas deixa de se perceber, quando o mesmo que acha que um espaço de 2 só dá para 1 carro, possa depois estacionar longitudinalmente a meio da via do parque de estacionamento, «achando» que os 2 metros que sobram entre o seu carro e a traseira dos que estão correctamente estacionados em espinha, são suficientes para eles saírem! Duas medidas – uma deficiência de avaliação típica de egoístas!
Já li na blogaláxia, por várias vezes, queixas em relação aos «espertos» e indicando mesmo os procedimentos anti-«espertos» que alguns dizem adoptar. É um erro. O «esperto» necessita de ser educado, mas quem tenta que ele aprenda na estrada, corre o risco de contratempos vários, desde a discussão, ao toque de chapa e por aí fora. Um amigo meu tem uma máxima:
«Não sou eu que o vou ensinar», querendo dizer que educar um «esperto» é muito penalizante para quem o tenta. Os muitos toques que o «esperto» vai dar e sofrer, inevitáveis ou premeditados, e as inúmeras discussões que vai ter é que o vão ensinar. Ou não.