Sexta-feira passada, o ministro Santos Silva, ao ser confrontado com uma manifestação de descontentes que lhe chamou «fascista», reagiu assim:
"A liberdade é algo que o País deve a Mário Soares, a Salgado Zenha, a Manuel Alegre... Não deve a Álvaro Cunhal nem a Mário Nogueira" (…) "lutaram por ela antes do 25 de Abril contra o fascismo, e lutaram por ela depois do 25 de Abril contra a tentativa de tentar criar em Portugal uma ditadura comunista".
Afinal o ministro é um tonto. E dos ingratos.
Calma, Gugu! Esses ares de antifascista ofendida são muito reveladores. Aposto que tem um certificado de ter corrido uma vez à frente da polícia, emoldurado. E os pergaminhos que o PS ostenta de ter liquidado a Revolução também. Isso, ninguém lhe contesta. Mas veja lá que talvez alguma das visitas de casa não consiga evitar um esgar de asco.
Logo após Novembro:
- O acesso aos meios de comunicação vai-se afunilando para os trabalhadores e sindicatos e escancarando para as organizações patronais.
- O sector privado é restabelecido pela desintervenção de parte da indústria nacionalizada, dando-lhe ainda acesso à indústria de armamento, petroquímica, adubos e siderurgia, e pela entrega sucessiva de «reservas» aos antigos agrários.
Mais tarde, abrir-se-ão «à iniciativa privada os sectores adubeiro, cimenteiro, bancário e segurador».[1]
- Concedem-se «abundantes benefícios fiscais», a agricultura é protegida «por quotas de importação, direitos aduaneiros e subsídios diversos».
O patronato agrupado em confederações (CAP, CIP e CCP), considera sempre «a lei demasiado restritiva», as «medidas insuficientes». Nunca está satisfeito. E o Estado vai tentando satisfazê-lo. «Haveria também uma factura a honrar, a do 25 de Novembro».[2]
- «Agiliza-se» a legislação laboral, facilitando os despedimentos, criando a figura do contrato a prazo [3], facilitando o poder disciplinar pelo patrão, tentando calar as críticas deste, que nunca se cansa de se queixar da legislação laboral para justificar a falta de competitividade das empresas.
- Atacam-se os sindicatos da CGTP-In: [4] inviabiliza-se a cobrança de quotas sindicais pelas empresas; cria-se outra central sindical na área do PS e PPD, tentando fazer corresponder no mundo sindical a relação numérica das urnas; muscula-se a relação com as greves, recorrendo à requisição civil se necessário; introduz-se um tecto salarial para evitar a desmesura dos aumentos salariais, ainda que estes não cubram o aumento da inflação.
Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Quem não quer ser chamado de fascista não faz o que o PS, às vezes, faz.
Calma, Gugu! Fascista não será o senhor nem o PS, mas não está à espera que os descontentes, tão descontentes que «vêm para a rua gritar», elaborem o discurso com as subtilezas de um comentador televisivo versado em Teoria Política:
-
O seu partido, senhor ministro, tem uma prática política que, embora não possa ser formalmente classificada como fascista, apresenta no entanto certas posturas tendencialmente fascizantes que acossam os cidadãos do modo que a comunicação social costuma imputar ao regime anterior.A destruição do Serviço Nacional de Saúde é o quê?
A projectada extinção dos pequenos partidos é o quê?
Calma e humildade, Gugu! Muito caminho antifascista terá que percorrer para chegar às sobrancelhas de Cunhal.
[1] José Medeiros Ferreira, José Mattoso (dir.), «Do período de transição à actualidade», in
História de Portugal, 8 vols., vol. 8:
Portugal em transe: 1974-1985, Lisboa, Estampa, s.d. [1994]. p. 156.
[2]
Ibidem, p. 161.
[3]
Ibidem, p. 154.
[4]
Ibidem, p. 155.