Irritado com os que clamam por alterações na lei eleitoral que facilitem a criação de maiorias absolutas – Sampaio incluído – republico hoje os meus posts de 4 a 7 de Junho último. Espero neles defender bem o meu ponto de vista e contribuir para uma discussão onde não há verdades definitivas.
Representatividade
O sistema de eleições que usamos é bastante avançado, se comparado com, por exemplo, o americano ou o alemão, mas fica ainda a milhas do apregoado ideal de: um homem – um voto. Se a partir de 18 anos todos podem votar, nem por isso a igualdade de voto está assegurada. É que, baseando-se numa pretensa representatividade parlamentar directa, onde o eleitor teria «o seu» deputado na Assembleia, há variados círculos eleitorais, em vez de um único círculo nacional.
(A pseudo-representatividade directa é de tal ordem que os partidos põem como cabeças-de-lista nomes sonantes, mesmo que nunca tenham parado naquele círculo eleitoral).
Este modelo limita o acesso à Assembleia aos partidos pequenos, que chegam a necessitar de 40 ou 50.000 votos só num distrito para conseguirem eleger 1 deputado, enquanto aquela votação num círculo nacional elegeria 2 ou 3 deputados. Isto é assumido por quase todos os países, argumentando-se com a facilitação que tal proporciona à formação de maiorias parlamentares e/ou governativas. Há anos, na Alemanha, só partidos com pelo menos 5% tinham entrada no Parlamento.
Representatividade adulterada
Porque é que os partidos pequenos ficam prejudicados? Devido às características do método aplicado – o método de Hondt.
O método, descrito neste site,
http://www.stape.pt/legisl/artigo16.htm, atribui os mandatos de cada círculo aos maiores quocientes, quando o número de votos de cada partido é dividido sucessivamente por 1, 2, 3, etc. Exemplificando: Num círculo que tem direito a 7 deputados e onde houve 100.000 votos, 49.000 no partido A, 39.000 no partido E e 12.000 no partido U, são os seguintes os quocientes:
A – 49.000 : 24.500 : 16.333 : 12.250 : 9.800 : etc.
E – 39.000 : 19.500 : 13.000 : 9.750 : 7.800 : etc.
U – 12.000 : 6.000 : 4.000 : 3.000 : 2.400 : etc.
donde os maiores 7 elegem um deputado: Verifica-se que um partido com 12% de votos não elegeu nenhum deputado e um partido com 49% dos votos elegeu 57% dos deputados. Se isto mesmo se passasse em 10 distritos, o partido U, embora com 120.000 votos no total, não elegeria nenhum deputado, mas elegeria 8, se os 10 círculos estivessem agrupados só num. É tão verdade este favorecimento dos partidos grandes, que, ainda assim, neste grande círculo eleitoral, o partido A, com 49% dos votos, elege 50% dos deputados (35), o partido E, com 39% dos votos elege 38,6% de deputados (27) e o partido U, como já vimos, com 12% dos votos, elege 11,4% dos deputados (8). Ainda favorecendo os grandes, não se compara à situação de múltiplos círculos eleitorais.
Este favorecimento é assumido no próprio site do STAPE, onde se pode ler: «Entre as características do método de Hondt importa assinalar o encorajamento à formação de coligações, uma vez que o agrupamento de partidos leva a conseguir maior número de mandatos do que se concorressem isoladamente. Favorece no entanto os grandes partidos, não satisfazendo o critério da quota».
Voto útil
Significa isto que devemos votar «útil», para evitar «desperdiçar votos»? Haverá situações em que isso poderá ser conveniente, mas a maioria das vezes não se trata de verdadeiras emergências. E no fim, fica-se sempre com a sensação que não se escolheu bem o que se queria, mas um sucedâneo. É como se, indo comprar pano para uma bandeira do Benfica, e não havendo vermelho, se aceite levar pano cor-de-laranja, que ainda assim é mais parecido, que outros azuis e verdes que há na loja. A entorse representativa não tem solução votando útil. A questão deve ser resolvida pela diminuição dos círculos eleitorais para um único. Para que nos aproximemos do ideal de: 1 homem – 1 voto. Por enquanto, 1 voto num partido grande, vale mais que 1. Vale até mais que 1,16 para um partido que obtenha 43% de votos. Pelo menos esta tem sido uma percentagem que cada partido aspira em eleições, declarando mesmo que isso lhe dá maioria absoluta. E se há votos que valem mais que 1, outros há que valem menos que 1. Ora não é a isso que uma sociedade democrática devia aspirar.
Gostos
Os grandes partidos clamarão contra a possibilidade de haver 10 ou 15 pequenos partidos na Assembleia com 1 ou 2 deputados cada. Não vejo nisso um problema mas um enriquecimento. A riqueza intelectual duma sociedade assenta exactamente na multiplicidade de ideias a competir em liberdade. Imaginem que na Grécia Antiga se ficava só com Aristóteles e Platão, deitando fora Empédocles, Zenão, Epicuro, Demócrito, Aristarco!
Se o sistema tem medo de não formar maiorias estáveis, é porque o sistema não está seguro da sua razão. Governar pode não ser fácil, mas uma facilitação não deve ser baseada no emudecimento das minorias (e logo, na adulteração da democracia). Até porque não se vê uma vantagem ética e politica incontestável nas filosofias politicas das maiorias habituais. É bom ter presente que a razão das maiorias, também é relativa. É que, apesar de uma imensa maioria composta por 5 triliões de moscas achar que «a merda é gostosa», todos os leitores deste blog estarão de acordo em que há toda a legitimidade para discordar dessa preferência gastronómica…